Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.
Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.
Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.
Não se zanguem com ela.São tolerantes com ela.
Não se zanguem com ela.São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.
Olham e sorriem.
Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.
(Álvaro de Campos)
2 comentários:
Deste ainda me lembro. extremamente interessante e com significados inteligentemente escondidos pelo Mestre. Cada vez me odeio mais por sem querer ter deitado o livro de Português A fora...tantas vezes que me faz falta...
Ah, acredita que não valia de nada seres esquizofrénica...só te servia para poderes falar sozinha na rua, porque sendo esquizofrénica ou não, tal acto valer-te-ia o apelido "maluca". E não somos todos um pouco?
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